Soja: uma “alternativa” que nem de longe supre todos os nutrientes do leite

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Por: Lauren Milligan Newmark

Humanos aprenderam a cultivar a soja há mais de 10.000 anos atrás – na mesma época em que o gado foi domesticado –, então não deveria ser surpresa que o “leite” de soja seja considerado a primeira alternativa vegetal ao leite. Acredita-se que o primeiro “leite” de soja tenha sido produzido na China há mais de 2.000 anos. Ele era um subproduto da produção de tofu e se parecia muito mais com uma água com gosto de feijão do que com o “leite” que você encontra no supermercado hoje. Graças a agentes espessantes e emulsificantes (além de muitos outros avanços tecnológicos que removem componentes associados ao sabor de feijão), o “leite” de soja tornou-se uma das alternativas vegetais mais amplamente consumidas ao redor do mundo.

Muitos consumidores optam por ele por causa dos benefícios para a saúde únicos que vêm dos grãos de soja, incluindo alto teor de proteína e de isoflavona (fitoestrogênio). Realmente, considerando todas as alternativas vegetais ao leite, o de soja é o único que se equivale ao leite de vaca em termos de teor de proteína. Mas os consumidores podem se surpreender se descobrirem que muitos componentes naturais da soja na verdade limitam a capacidade do corpo de absorver vários nutrientes essenciais. Pior ainda: os próprios agentes usados para transformá-lo de “água de feijão” para a consistência leitosa podem ter impactos negativos na saúde. Quando se considera o “leite” de soja como um substituto nutricional para o leite, é importante levar em conta o conteúdo e disponibilidade de todos os nutrientes, não só da proteína. O “leite” de soja certamente percorreu um longo caminho em termos de sabor e textura ao longo desses 2.000 anos, mas um grão é simplesmente incapaz de se equivaler a uma vaca quando se trata de fazer leite.

Quantidade, qualidade e digestibilidade

Com uma dieta altamente dependente de soja e uma escassez de gado leiteiro, não é surpresa que as primeiras culturas chinesas produzissem leite de soja. Mas qual é o apelo para os humanos da sociedade moderna? Comparada a outras plantas usadas para fazer “leites” alternativos, como amêndoa, arroz e coco, a proteína da soja fornece todos os nove aminoácidos essenciais (ou seja, aminoácidos que o corpo humano não pode fabricar sozinho) e é, por isso, considerada uma proteína completa. Whey protein, uma das duas classes de proteínas no leite de mamíferos, também contém todos os aminoácidos essenciais, tornando o leite uma fonte de proteína completa também. De fato, tanto o soro quanto a soja recebem uma pontuação de 1,0 (a maior na escala) na escala de aminoácidos indispensáveis digestíveis (DIAAS), uma medida de qualidade da proteína. 

O “leite” de soja é a única alternativa com origem vegetal a se equivaler ao leite de vaca em termos de teor de proteína. Ambos fornecem 8 gramas de proteína por xícara. E apesar dessas similaridades, eles não são fontes intercambiáveis de proteína. Além dos aminoácidos essenciais, a proteína do leite inclui componentes biologicamente ativos, incluindo fatores imunológicos e peptídeos. Embora seu consumidor pretendido seja um bezerro, muitos dos ingredientes bioativos do leite também demonstraram benefícios para os consumidores humanos, incluindo melhoria do metabolismo da glicose, controle do apetite e formação de músculos.

O componente de caseína da proteína do leite também dá ao leite uma vantagem sobre a soja e sobre todos os outros leites à base de plantas. As proteínas da caseína do leite são entregues como micelas, pequenas esferas contendo proteínas que, ao mesmo tempo, amam a água e não combinam com a água. Quando essas micelas chegam ao estômago, as enzimas digestivas cortam as proteínas que amam a água, transformando a micela solúvel em uma coalhada insolúvel. O leite pode ter começado como um líquido, mas a digestão de proteínas com caseína transforma-o efetivamente em uma refeição sólida. O aumento do tempo digestivo oferece muitas vantagens, incluindo aumento da saciedade, liberação mais lenta e digestão de aminoácidos e melhor absorção do cálcio ligado à caseína.

Hormônios vegetais?

Os leites de mamíferos contêm hormônios derivados da mãe, como cortisol, adiponectina e estrogênio, que influenciam o crescimento e o desenvolvimento infantil. O leite de soja não tem cortisol ou adiponectina, mas na verdade contém compostos derivados de plantas que são molecularmente semelhantes ao estrogênio. A semelhança estrutural permite que esses compostos vegetais, chamados isoflavonas, imitem os efeitos do estrogênio (daí sua classificação como fitoestrógenos). Mas isso é bom para os consumidores?

Primeiramente, é importante ressaltar que o efeito estrogênico das isoflavonas é consideravelmente mais fraco do que o estrogênio que nossos próprios corpos produzem; uma xícara de leite de soja não é o equivalente hormonal de uma pílula anticoncepcional. Em segundo lugar, as isoflavonas possuem atividades tanto de agonistas de estrogênio quanto de antagonistas de estrogênio. Às vezes, as isoflavonas se ligam ao receptor de estrogênio da célula e provocam uma resposta celular semelhante à do estrogênio. No entanto, também é possível que eles se liguem ao receptor de estrogênio e nada aconteça. Mas quando uma molécula de estrogênio (criada pelo homem) vem junto procurando se ligar, o receptor está agora bloqueado; roubando seu local de ligação, a isoflavona impediu que o estrogênio agisse naquela célula. Dependendo de qual sistema fisiológico você está interessado, ambas as ações podem trazer benefícios ou riscos à saúde. Potenciais benefícios sob investigação para mulheres na pós-menopausa incluem perda óssea reduzida e taxas mais baixas de alguns tipos de câncer. Para crianças, homens e mulheres na pré-menopausa, os benefícios para a saúde das isoflavonas são menos bem compreendidos e podem atuar como disruptores endócrinos.

Anti-nutrientes

A “água de grão” pode oferecer muitas proteínas e isoflavonas, mas esses não são os únicos ingredientes que os consumidores de leite de vaca estão procurando em uma bebida alternativa ao leite. O leite de vaca e os alimentos lácteos são as melhores fontes alimentares de cálcio devido à sua elevada concentração de cálcio e biodisponibilidade. Para competir como uma alternativa ao leite, a soja e outros leites vegetais são enriquecidos com cálcio. Na verdade, muitos ainda se gabam de oferecer mais cálcio do que o leite de vaca. Infelizmente, os consumidores podem não estar obtendo tanto cálcio do copo de leite de soja como a embalagem anuncia. A soja contém um composto chamado ácido fítico, que se liga a minerais, incluindo o cálcio, e impede sua absorção. O ácido fítico também se liga ao ferro. Portanto, embora o leite de soja seja melhor que o leite de vaca no que diz respeito ao teor de ferro, a presença desse antinutriente no leite de soja pode reduzir significativamente a quantidade de ferro que vai do trato digestivo até a circulação.

Indivíduos que mudam de vaca para leite de soja também podem se encontrar deficientes em iodo. Alimentos lácteos são a melhor fonte alimentar de iodo; leites de soja, amêndoa e arroz contêm apenas quantidades vestigiais. Além disso, os ingredientes naturais da soja podem interferir na capacidade da tireóide absorver o iodo, o que poderia aumentar ainda mais o risco de deficiência de iodo.

Grão X vaca

O alto teor de proteína do leite de soja, as gorduras polinsaturadas saudáveis e a falta de colesterol fazem dele uma alternativa atraente ao leite de vaca. Este apelo aumenta quando se considera a possibilidade de que as isoflavonas possam proporcionar benefícios únicos à saúde de mulheres na pós-menopausa, como a redução do risco de perda óssea ou câncer de mama. Mas consumir leite de soja porque é uma bebida saudável e usá-lo para substituir o leite de vaca e outros laticínios na dieta são duas estratégias nutricionais muito diferentes. Comparado com amêndoas, arroz e leite de coco, o leite de soja oferece o perfil nutricional mais próximo do leite de vaca (o que pode explicar por que ele tem sido usado como uma fonte de proteína alternativa para fórmulas infantis por mais de 40 anos). Aqueles que selecionam soja por causa da alergia à proteína do leite de vaca ou intolerância à lactose, ou um compromisso com dietas livres de animais, podem querer ter certeza de que estão recebendo nutrientes essenciais, como cálcio, ferro e iodo, de outras fontes alimentares.

Lauren Milligan Newmark é doutora em antropologia pela Universidade do Arizona e pesquisadora associada no Laboratório de Nutrição do Smithsonian’s National Zoological Park. Texto publicado em SPLASH® Milk Science Update: edição de agosto de 2018.

 

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