Pesquisas

O leite acelera a cicatrização de feridas

Dizem que o tempo cura todas as feridas. Mas, será que o leite pode ajudar essas feridas a se curarem mais rápido?

Observando a capacidade do leite de estimular e sustentar o desenvolvimento do sistema imunológico de uma criança, pesquisadores apresentaram a hipótese simples, mas admiravelmente concisa, de que o leite poderia acelerar o processo de cicatrização, aumentando a resposta imune do corpo.

De lesões no epitélio da córnea a lacerações da pele, os grupos tratados com leite apresentaram cicatrização mais rápida do que os grupos controle. Além disso, o leite se mostrou um grande aliado dos diabéticos, que possuem difícil cicatrização. 

As amostras de sangue dos grupos suplementados com leite (ou com proteínas do leite) apresentaram alterações significativas em moléculas imunologicamente ativas, implicadas na cicatrização de feridas. De forma resumida, os ingredientes do leite influenciaram a forma como o sistema imunológico funciona – para melhor.

O leite pode ser uma bebida, mas sem dúvidas ele representa uma grande promessa como medicamento.

Cicatrização de feridas

A pele é o maior órgão do corpo, e é também uma parte integrante do sistema imunológico, mantendo os patógenos no meio exterior. O mesmo ocorre com o revestimento epitelial dos olhos, boca e todas as outras potenciais barreiras que os microrganismos podem violar. Estas superfícies constituem a nossa melhor defesa contra os germes do mundo exterior. Por isso, qualquer coisa que comprometa sua capacidade de realizar seu papel, deve ser tratada imediatamente.

De um pequeno corte de papel no polegar a uma grande laceração na perna, o processo de cicatrização é o mesmo, passando pelas seguintes etapas: inflamação, proliferação e remodelação.

A inflamação, geralmente, tem uma conotação negativa, quando se trata da fisiologia humana, mas é um primeiro passo crítico e necessário na reparação de feridas. Imediatamente após a lesão, o sistema imunológico envia glóbulos brancos para deixar a área descoberta livre de patógenos potenciais, como bactérias. Esses mesmos glóbulos brancos também são responsáveis pela liberação de mensageiros químicos, chamados citocinas, para orquestrar a fase inflamatória e as fases subsequentes de reparação da ferida. Algumas destas citocinas são referidas como pró-inflamatórias, porque ajudam a orquestrar a resposta inflamatória. Outras, são anti-inflamatórias, ajudando a garantir que a fase inflamatória chegue ao fim.

O equilíbrio entre os dois tipos de moléculas mensageiras durante o estágio inflamatório é crítico – muitas citocinas inflamatórias podem prolongar a fase inflamatória, mas citocinas anti-inflamatórias demais podem até impedir que essa fase ocorra. A importância dessas moléculas e suas concentrações são claramente demonstradas quando a cicatrização de feridas é reproduzida em animais diabéticos. Ratos diabéticos têm níveis mais elevados de citocinas anti-inflamatórias do que seus pares saudáveis, resultando em um estágio inflamatório atrasado e um posterior processo de cicatrização mais lento.

Após a inflamação, as células epidérmicas migram para o local da ferida e sofrem divisões rápidas para substituir as células danificadas e preencher o espaço (daí a proliferação). Importante dizer que as ordens para começar esta fase vêm também das citocinas secretadas pelo glóbulo branco. Estes mensageiros químicos são responsáveis por dizer às células para onde ir, quando fazer cópias de si mesmas e, talvez o mais importante, quando parar de fazer essas cópias. E durante a fase final da reparação de feridas (remodelação), essas mesmas citocinas são responsáveis por dizer às células para produzirem proteínas de colágeno, a “cola” que mantém as células da pele unidas.

Ingredientes de cura do leite

Para que a cicatrização das feridas ocorra a tempo e de maneira eficiente, ela requer muitos tipos diferentes de fatores imunológicos (neutrófilos, macrófagos, anticorpos) para enviar a mensagem correta (fazer cópias, comer as bactérias, fabricar colágeno), na hora certa. Atrasos aumentam o risco de infecção, por isso não surpreende que os médicos estejam muito interessados em identificar adjuvantes da cicatrização de feridas – substâncias que aumentam a resposta imune do corpo.

O leite é uma escolha óbvia para se usar como adjuvante. Um dos seus principais papéis é estimular e auxiliar o desenvolvimento do sistema imune de crianças, e é bem sabido que ele contém proteínas biologicamente ativas tais como lisozima, lactoferrina e anticorpos, bem como citocinas pró e anti-inflamatórias. Mas, a magnitude dos ingredientes que desempenham um papel na cicatrização de feridas só foi elucidada recentemente.

Realizando uma análise molecular detalhada do colostro bovino (o leite produzido durante os primeiros dias de lactação), um grupo de pesquisadores identificou mais de 1700 proteínas diferentes. Quando estas proteínas foram agrupadas, com base na sua função biológica, 93 delas se relacionaram com um ou mais estágios de reparação da ferida (por exemplo, inflamação, remodelação tecidual, síntese de colágeno, formação de vasos sanguíneos). 

O colostro é conhecido por ter uma maior concentração de componentes imunes do que o leite, de modo que o número de proteínas ativas pode ser menor em outros estágios da lactação. O número total de proteínas também pode diferir nos leites de diferentes mamíferos (por exemplo, o leite humano pode ter mais fatores imunológicos que o leite de vaca). No entanto, os pesquisadores destacam a alta homologia (semelhança estrutural) entre as proteínas identificadas no leite bovino e as produzidas por humanos. A similaridade estrutural pode significar similaridade funcional, sugerindo que estas proteínas podem ter efeitos positivos na cicatrização de feridas em humanos, apesar de originarem de uma vaca. Embora o uso de leite humano seja o mais adequado para os seres humanos, o leite de vaca (que está disponível para toda a população e em uma escala muito maior) pode desempenhar um papel fundamental.

Colocando o leite à prova 

Exemplares de roedores sustentam a hipótese de similaridade funcional entre espécies. O leite humano, de vaca e de camela demonstram efeitos positivos na cicatrização de feridas. Por exemplo, o leite humano usado como colírio para ratos com feridas epiteliais da córnea, resultou em cicatrização mais rápida do que lágrimas artificiais ou gotas séricas autólogas (gotas feitas do próprio sangue do paciente). Lágrimas artificiais não têm nenhum fator que promova a cicatrização, mas acredita-se que as gotas de soro autólogas sejam as mais próximas às lágrimas reais, devido à presença de fatores de crescimento e anticorpos que existem naturalmente no soro. O leite, entretanto, pode ser a melhor alternativa para repor as lágrimas, proporcionando um maior número de compostos que melhoram a cicatrização epitelial. Importante salientar que esses mesmos compostos também podem ser eficazes na reparação de feridas quando presentes na dieta.

Em uma primeira leitura, poderia-se sugerir que os ratos suplementados se curaram mais rápido, simplesmente, porque a proteína extra deu-lhes um impulso nutricional. Mas, a análise química de seu sangue conta uma história diferente. Os ratos que receberam proteína do soro de leite tiveram perfis de citocinas distintos – níveis mais elevados de citocinas inflamatórias (por exemplo, interleucina 6) e níveis mais baixos de citocinas anti-inflamatórias (por exemplo, interleucina 10) do que os controles diabéticos. Na realidade, a suplementação com leite “normalizou” os perfis de citocina dos ratos.

Leite no armário de medicamentos 

Mas, qual a probabilidade da suplementação com leite (ou soro do leite) ajudar as feridas humanas a se curar? Esta questão ainda não foi sistematicamente resolvida, mas há várias razões para sermos otimistas. Em primeiro lugar, as semelhanças entre citocinas, proteínas e outros componentes bioativos utilizados para a cicatrização de feridas entre ratos e seres humanos (e realmente, entre todos os mamíferos) oferecem promessa de resultados positivos semelhantes. De fato, as proteínas do soro do leite de vaca, em particular, e dos produtos derivados do leite de vaca, em geral, estão associados com a melhoria da saúde em humanos diabéticos, incluindo o aumento da sensibilidade do corpo à insulina. Em segundo lugar, as quantidades de proteína do soro do leite necessárias para produzir as alterações nos perfis de citocina nos ratos diabéticos estavam bem dentro dos limites para suplementação de proteína humana (por exemplo, 100 miligramas de soro de leite por quilograma de peso corporal). Ainda não se sabe quanto soro seria necessário, em seres humanos, para obter resultados semelhantes aos observados em ratos. Mas, se os valores forem comparáveis, a segurança da suplementação já foi provada.

É certamente emocionante pensar que a caixa de leite na sua geladeira ou o pote de whey protein em sua despensa possuem ingredientes para melhorar a resposta imunológica do seu organismo. Talvez algum dia, num futuro próximo, o leite se torne um item em nossos armários de medicamentos.

 

Fontes:

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