Por: Flávia Fontes
As pesquisas mais recentes na área de nutrição humana mostram que os médicos e nutricionistas que condenam o consumo de lácteos e carne estão errados. Inclusive, trinta anos depois da capa que anunciava “Colesterol: e agora, as más notícias”, a Revista Time dá o braço a torcer face às evidências que se acumularam nas últimas décadas e recomenda: “Coma Manteiga”.
O que os cientistas descobriram é que, enquanto a gordura trans industrializada (gordura parcialmente hidrogenada) pode aumentar os níveis de colesterol e se acumular nas artérias, a gordura trans presente nos lácteos pode trazer vários benefícios para a saúde, desde a prevenção da formação de tumores até a redução da porcentagem de gordura corporal.
A gordura trans industrializada é produzida a partir da hidrogenação parcial de óleos vegetais, diminuindo o seu potencial de rancificação e, com isso, aumentando a validade dos produtos. O grande problema é que o consumo desses alimentos leva a um aumento nos níveis corporais de triglicérides e do “colesterol ruim”, o LDL, predispondo a ocorrência de problemas cardíacos. Já o consumo da gordura láctea, apesar de também aumentar os níveis de LDL, aumenta o HDL, chamado bom colesterol. O HDL remove o LDL que pode se acumular nas paredes arteriais. Aumentar tanto o HDL quanto o LDL faz da gordura saturada um “lava-jato cardíaco”, impedindo a formação das placas adiposas nos vasos.
Além disso, cientistas agora sabem que há dois tipos de partículas de LDL: algumas são pequenas e densas e outras são grandes e esponjosas. As grandes parecem ser, em sua maioria, inofensivas, e são elas que aumentam com a ingestão de gordura saturada. Por outro lado, a ingestão de carboidratos parece aumentar as partículas pequenas, que parecem estar ligadas à doença cardíaca, por se aderirem às paredes das artérias.
Outro ponto de extrema relevância é que a gordura trans dos lácteos é produzida a partir de uma reconfiguração dos ácidos graxos insaturados feita pelas bactérias presentes no rúmen das vacas. O produto final, que é transferido para o leite e carne dos bovinos, inclui o ácido linoleico conjugado (CLA) e o ácido vaccênico (VA), ambos comprovadamente benéficos para a saúde.
Pesquisas realizadas nos últimos 30 anos sugerem que as fontes naturais de gordura trans estão associadas com benefícios para a saúde de humanos e animais. A primeira delas, concluída no meio da década de 1980 por Michael Pariza e colaboradores, e publicada no American Journal of Clinical Nutrition, mostrou efeitos anticarcinogênicos relacionados, mais tarde, ao CLA.
Desde essa primeira pesquisa, inúmeros estudos com o CLA e o VA vêm demonstrando vários efeitos anti-câncer em animais, incluindo a inibição do desenvolvimento de tumores e a prevenção das metástases.
Estudos sobre a composição da massa corporal mostram que o CLA tem um efeito positivo na redução da porcentagem de gordura e aumento da massa magra. Acredita-se que o CLA age de forma direta, reduzindo o acúmulo de gordura no tecido adiposo, e, possivelmente, de forma indireta, agindo sobre os hormônios envolvidos com o metabolismo lipídico (leptina e adiponectina).
Outra linha importante de pesquisa tem mostrado o potencial do CLA como imuno modulador, o que pode ajudar a desvendar sua influência na prevenção do câncer, dos problemas cardíacos e sobre a porcentagem de gordura corporal. O CLA estimula a produção de mediadores anti-inflamatórios, conhecidos como citocinas, reduzindo os sinais de inflamação. Esse efeito foi identificado tanto em estudos com animais quanto com humanos. O direcionamento do sistema imune no sentido anti-inflamatório pode explicar o papel do CLA na prevenção dos carcinomas, ganho de peso e arteriosclerose.
Flávia Fontes é médica veterinária, D.Sc. Nutrição Animal, editora-chefe da Revista Leite Integral e do movimento #bebamaisleite e diretora científica da ABRALEITE