“Leites” vegetais podem levar a baixos níveis de iodo

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O leite de vaca é bem conhecido por ser a principal fonte alimentar de cálcio, mas poucos sabem que, nos EUA e no Reino Unido, ele também é a fonte nutricional mais importante de iodo. Alguns consumidores desses países estão se afastando dos produtos lácteos devido à intolerância, alergia ou escolhas pessoais. No entanto, pesquisadores descobriram que o leite orgânico e as bebidas alternativas ao leite como “leite” de soja, amêndoa e cânhamo têm apenas uma fração do iodo encontrado no leite convencional, indicando que muitas pessoas que o evitam – especialmente mulheres grávidas e lactantes – podem, inconscientemente, estar se colocando em risco para deficiência de iodo.

Iodo: se fazendo de difícil

O iodo é um mineral exigido pelos seres humanos para produzir os hormônios tireoidianos, tiroxina e triiodotironina (ou T4 e T3), que controlam praticamente todos os processos metabólicos e hormonais em nosso corpo. Durante o crescimento fetal e infantil, estes hormônios são especialmente críticos para o desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso. A deficiência leve ou moderada de iodo materno durante a gravidez pode resultar em desenvolvimento cognitivo prejudicado, e uma deficiência materna grave pode danificar o cérebro fetal em crescimento e causar retardo mental. O cérebro humano continua a crescer a uma taxa fetal durante o primeiro ano de vida e, portanto, o baixo teor de iodo no leite materno (devido à baixa ingestão pela mãe) também está associado a resultados cognitivos ruins.

Após a infância, a deficiência de iodo é mais comumente associada ao bócio. Sem iodo suficiente para fabricar hormônios tireoidianos, a glândula pituitária aumenta a produção de hormônio estimulante da tireoide, o qual, por sua vez, faz com que a glândula tireoide aumente. A produção de hormônios tireoidianos mais baixa do que o normal (conhecida como hipotireoidismo) também retarda todos os processos metabólicos do organismo. Os efeitos colaterais destas alterações metabólicas incluem a dificuldade de manter a temperatura, ganho de peso, fraqueza muscular e fadiga, problemas com a fertilidade e, até mesmo, funcionamento cognitivo retardado.

O Instituto de Medicina e a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualmente recomendam 150 microgramas (ou 0,15 mg) de iodo por dia para adultos, 220 microgramas de iodo por dia para gestantes e 290 microgramas de iodo por dia para mães lactantes. O micrograma é uma unidade de medida muito pequena – então por que é tão difícil que as pessoas consumam uma quantidade suficiente de iodo? Infelizmente, o iodo é tão raro nos alimentos quanto é essencial para a saúde humana. Existem poucos alimentos nos quais o iodo é naturalmente encontrado. A maior parte deste elemento da Terra é encontrada no oceano e as fontes dietéticas naturais mais ricas neste mineral incluem frutos do mar e algas marinhas, e alimentos vegetais cultivados em solos ricos em iodo perto do litoral. Como resultado, a sua deficiência tem, historicamente, uma distribuição geográfica (muitas vezes referida como “cinturões de bócio”). A OMS estima que 2,2 bilhões de pessoas atualmente vivem em áreas deficientes em iodo (geralmente no interior ou em alta altitude), e o iodo é uma das deficiências de micronutrientes mais comuns no mundo.

O ingrediente acidental

A relação entre a deficiência de iodo e a glândula tireoide foi reconhecida em meados do século 19, mas uma solução só foi identificada no início do século 20. 

No Reino Unido, o bócio e outras doenças relacionadas à deficiência de iodo ainda eram comuns em toda a Grã-Bretanha, mesmo no início do século passado. Lá o sal não foi fortificado com iodo, como foi feito nos Estados Unidos. Em vez disso, e de uma forma bastante irônica, os problemas de iodo no Reino Unido foram resolvidos pelos esforços dos produtores de leite para melhorar a saúde do rebanho do país. Ao adicionar iodo ao alimento do gado, a saúde dos animais melhorou e, como um bônus involuntário, a saúde humana também. Hoje, estima-se que o leite e os produtos lácteos fornecem um terço da ingestão de iodo para adultos e 40% da ingestão de adolescentes no Reino Unido.

O iodo é também um ingrediente acidental no leite nos EUA, sendo incluído nos alimentos por sua presença em um agente de limpeza comum usado nos úberes das vacas e equipamentos de ordenha. Um copo de 240 ml de leite convencional fornece aproximadamente 110 microgramas de iodo, apenas 40 microgramas abaixo da ingestão diária recomendada pela OMS para adultos. Embora o sal de mesa iodado ainda esteja disponível nos EUA, os lácteos são a principal fonte de do mineral na dieta. A maioria dos americanos recebe o seu sal de alimentos processados, que não contêm fortificação. Portanto, o sal de mesa pode ter ajudado uma vez a erradicar a deficiência de iodo nos EUA, mas os produtos lácteos provavelmente são os responsáveis pela prevenção da deficiência hoje.

Deficiência Déjà Vu?

O iodo nos lácteos tem sido chamado de “triunfo de saúde pública acidental”. O consumo de leite e lácteos já estava sendo promovido tanto nos EUA quanto no Reino Unido por seus benefícios para a saúde óssea – os benefícios do iodo foram a cereja no bolo. Mas o leite de vaca tem concorrência nos dias de hoje, incluindo leite orgânico e bebidas alternativas de leite feitas de soja, nozes, coco e arroz. Os consumidores podem ser conduzidos a essas opções por preferências de saúde (intolerância à lactose, alergia a proteínas do leite) ou dietéticas, sem perceber que eles podem não estar fazendo uma troca nutricional justa.

As análises de leite orgânico e alternativas de leite nos EUA e Reino Unido indicam que eles contêm apenas uma fração do iodo presente no leite de vaca convencional. Os regulamentos de agricultura orgânica limitam o uso de suplementos minerais na alimentação de gado e nos tipos de produtos de limpeza e materiais que são utilizados na coleta do leite. Como resultado, os leites orgânicos contêm entre 30% e 45% menos iodo do que as suas contrapartes convencionais (com variação relacionada à estação, localização da fazenda e dieta do rebanho). A notícia é ainda pior para “leites vegetais”. Nos EUA, o teor médio de iodo para 30 marcas diferentes de “leites” alternativos (incluindo soja, amêndoa, coco, caju e cânhamo) foi de pouco mais de 3 microgramas para um copo de 240 ml, que é apenas 2,7% do teor de iodo do leite de vaca. Os resultados foram quase idênticos (2,1%) quando as marcas do Reino Unido foram testadas. A menos que esses consumidores estejam substituindo o iodo de produtos lácteos pelo aumento do consumo de frutos do mar, algas marinhas ou uma multi-vitamina contendo iodo, é provável que eles estejam ficando aquém de sua ingestão diária recomendada.

A fortificação de alternativas de leite não é tão simples quanto a adição de algumas gotas de iodo à mistura. Vários dos ingredientes usados para produzir bebidas alternativas do leite efetivamente inibem a absorção de iodo e reduzem a produção de hormônios tireoidianos, levando a uma superprodução de hormônio estimulante da tireoide e ao bócio. A soja é um goitrogênico (substância que dificulta a absorção de iodo) bem conhecido, e assim, adicionar iodo ao leite de soja pode não afetar o nível do mineral para o consumidor. 

Atualizando seu status

É seguro dizer que a maioria das pessoas não tem conhecimento do seu nível de iodo. Assim, no mínimo, uma pesquisa sobre os níveis de iodo em “leites” alternativos aumentará a conscientização sobre o consumo deste mineral para todos os tipos de consumidores.

Fontes:

Por Lauren Milligan Newmark em SPLASH!® milk science update: edição de dezembro de 2017

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